quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A mais grave crise: Os preços dos alimentos e a escassez de água num cenário de alterações climáticas

Os preços dos alimentos atingiram “níveis perigosos” que podem contribuir para a instabilidade política, empurrando milhões para a pobreza e aumentando o custo das mercearias e outro tipo de alimentos, indica um relatório do Banco Mundial.
O Banco Mundial divulgou, no dia 15.02.2011, Terça-feira, um documento em que afirma que os preços dos produtos alimentares aumentaram cerca de 29% em 2010 e que estão apenas 3% abaixo do máximo de sempre registado em 2008.
O Presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, disse que este aumento atingiu em particular as pessoas no mundo em desenvolvimento, uma vez que gastam mais de metade dos seus rendimentos em alimentação.
Os preços da alimentação são um decisivo e principal desafio enfrentado hoje por muitos dos países em desenvolvimento.
O Banco Mundial estima que o aumento dos preços do milho, trigo e óleo colocaram 44 milhões de pessoas numa situação de pobreza extrema desde o final de Julho.
Zoellick confessou-se preocupado com a possibilidade de alguns países poderem reagir à inflação dos preços dos produtos alimentares com a proibição das exportações ou recorrerem ao controlo de preços, o que só agravaria o problema, entende.
O índice do preço da alimentação, construído pelo Banco Mundial, aumentou 15% apenas entre Outubro e Janeiro.
A subida foi causada pelo comércio volátil de trigo, milho e soja.
E é aqui que começa o problema desencadeado pelas questões ambientais relacionadas com as alterações climáticas e as más opções de política energética, assim como o desregulado crescimento demográfico.
Os futuros do milho duplicaram desde o verão, devido em parte ao aumento da procura por parte dos países em desenvolvimento, designadamente a China, e à crescente indústria de biocombustíveis.
Como podemos percecionar, analisando dados do Banco Mundial, cerca de 52% da produção mundial de milho é já destinada à produção de biocombustíveis, o que a meu ver é uma má opção de política energética, uma vez que o objetivo de 10% de incorporação de biocombustíveis até 2020, delineado pela OCDE e negociado pela Comissão Europeia, tem um impacto reduzido a nível da mitigação da emissão de GEE (gases de efeito de estufa) e um impacto nefasto ao nível do mercado, uma vez que cria pressão sobre o mesmo, reduzindo a disponibilidade para consumo humano e consumo animal associado à exploração pecuária, gerando uma escalada de preços.
Agora imagine-se este quadro, num cenário de escassez desta matéria-prima essencial, fruto da destruição de colheitas em dois dos maiores produtores mundiais, Rússia e Austrália, fruto das catástrofes naturais que recentemente aconteceram nestas duas nações, os incêndios e secas do último Verão na Rússia e as tempestades e cheias na Austrália, recentemente, assim como os incêndios de Verão. Ambas as ocorrências são de lamentar, mas não deixam de ser anormais e alarmantes, uma vez que são fruto de desregulações atmosféricas que advêm das alterações climáticas provocadas pelo aquecimento global como resultado do aumento da presença de GEE na atmosfera, cerca de 460 ppm (partes por milhão), quando o aceitável seria 350 ppm. Sem dúvida preocupante, pondo em causa as colheitas anuais de milho.
Mas as questões relacionadas com o milho são só um exemplo, uma vez que devido às enormes secas na China, maior produtor mundial de trigo e o quarto maior produtor mundial de soja (com 15% da quota mundial) – logo a seguir aos EUA (32%), Brasil (28%) e Argentina (21%) -, têm sido destruídas várias colheitas destes cereais, o que é grave e sem dúvida causa muita pressão sobre o mercado. E ainda há quem defenda que as “Alterações Climáticas como factor determinante associado às desregulações meteorológicas a nível mundial” é uma religião seguida por muitos, pois os resultados estão à vista, não tem nada a ver com religião, tem a ver com a Natureza, e é aí que estamos a pecar como humanidade, na negação das causas dos problemas, cegando-nos na procura de soluções.
No caso dos aumentos de preços dos alimentos, associados à escassez de cereais, os países industrializados, como os EUA, estão protegidos destes aumentos, pelo menos para já, porque aí a matéria-prima representa uma pequena parte dos custos totais dos produtos alimentares.
Mas em muitos dos países em desenvolvimento, a variação dos preços é transmitida de forma mais drástica. Assim, entre Junho e Dezembro, o preço do trigo aumentou 54% no Quirguistão, 45% no Bangladesh e 16% no Paquistão, por exemplo.
Sem dúvida evidências fortíssimas de que o Aquecimento Global está a baralhar as estações do ano, pelo menos como nos habituamos a conhecê-las, criando desregulações nas colheitas agrícolas, reduzindo a disponibilidade de cereais para alimentação humana, com a agravante da produção desmedida de biocombustíveis, no caso do milho, fazendo com que o “Mercado” se encarregue de proceder às correções de preços, imprimindo um ritmo de escalada dos mesmos, uma vez que a procura de está cada vez mais a distanciar-se da oferta – resultado de um aumento demográfico, da alteração dos hábitos das populações das economias emergentes e, em primeira instância, da redução da oferta.

Sem dúvida um enorme problema de Segurança Alimentar provocado por um problema de carácter ambiental, que por si só é um alerta para o facto de poder haver reforços da instabilidade social relacionada com o aumento da pobreza e das necessidades de daí advêm, dando lugar a motins, queda de governos e a um sentimento de revolta geral. Um exemplo são os recentes casos da Tunísia e do Egipto, nos quais se registaram enormes revoluções que resultaram na queda dos governos de ambas as nações, e o epicentro de tudo isso resultou do facto de os cidadãos começarem a ter problemas de alimentação relacionados com a escalada vertiginosa dos preços dos alimentos. Para se ter uma ideia, a Tunísia e o Egipto são os maiores importadores africanos de trigo, importando 100% das suas necessidades, o que por si só gera efeitos nefastos ao nível da oscilação dos preços dos cereais para estas nações.     
Outro bem essencial que tem sido bastante penalizado com o agravar das Alterações Climáticas, é o bem mais essencial de todos, o “Ouro Azul”, a água. Sem água não há vida, e a água é cada vez mais escassa.
A pressão causada pela degradação dos solos e dos lençóis freáticos por via da desregulação climatérica, consequência de secas gravíssimas e de cheias preocupantes, assim como a má gestão humana da água, tem levado a que cada vez exista menor disponibilidade de água potável no planeta. A título de exemplo a zona do delta do Nilo está atualmente com 60% dos níveis de água comparativamente com 2006. Preocupante, não é?
Cada vez morrem mais pessoas na região da África Subsaariana, cerca de 1,3 milhões de cidadãos por ano, desde 2003. 63,8% dessas mortes devem-se à desidratação e insuficiência alimentar, 27% devem-se a doenças resultantes da contaminação da pouca água disponível para essas populações, 9% devem-se a mortes por lepra, SIDA e outras doenças infecciosas e 0,2% devem-se a mortes por canibalismo. É um exemplo que dá que pensar, não acham?
É certo que existem métodos poucos explorados que permitem atenuar este problema da escassez de água, tais como a dessalinização da água dos oceanos, processo que aprecio imenso e no qual Israel é vanguardista, o reaproveitamento de águas residuais tratadas, processo que tenho defendido e que carece de enquadramento legal suficientemente sólido para seja um facto consumado e não uma opção, a Suíça e a Alemanha estão bastante desenvolvidas no que a este processo concerne, assim como sistemas de controlo da distribuição de água e prevenção das perdas de rede. Por certo o grande factor a trabalhar será ao nível comportamental, por via da racionalização do consumo e utilização por parte do Homem.
Todavia, e não obstantes as soluções disponíveis, o que é certo é que as quantidades de água potável, e não só, disponíveis no Planeta estão em franca redução, e a fatia de leão da responsabilidade pelo sucedido é tão-somente das Alterações Climáticas, que por sua vez são da responsabilidade do Homem. Podem apostar que é verdade…
Tantos casos se têm presenciado de secas imensas… outros tantos de dilúvios brutais… Há pessoas que vociferam: “Mas nos dilúvios há muita água, o que é bom porque se repõe uma grande parte da água perdida.” Enganam-se redondamente, porque essa mesma água de que falam não é absorvida pelos lençóis freáticos, pelo que não é disponibilizada para consumo humano por via da captação.
É certo, porém, que o Planeta e a Humanidade enfrentam grandes desafios quer ao nível económico, quer ao nível social, quer ao nível político e geopolítico, mas é certo que o maior problema que a Humanidade pode enfrentar, se não atuar de forma contundente com o objetivo de não agravar o processo de Alterações Climáticas, será a escassez severa de água e alimentos.
Citando a Secretária – executiva da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, Christiana Figueres, numa recente intervenção pública perante o Parlamento Espanhol e os líderes militares da NATO: “As secas derivadas das alterações climáticas, a queda das colheitas agrícolas e as competições por água estão a alimentar conflitos em África e noutras partes do mundo em desenvolvimento. A menos que as nações tomem medidas agressivas para reduzir a poluição e as emissões que provocam o aquecimento global, tais conflitos espalhar-se-ão, derrubarão governos e elevarão os gastos militares por todo o Mundo.”
Pessoalmente não poderia estar mais de acordo com a análise feita por Christiana Figueres, assim como com o caminho pela mesma apontado. As Alterações Climáticas derivadas das emissões de Gases de Efeito de Estufa, tais como o CO2 e equivalentes, e a poluição estão a por em causa o Ambiente, e com isso a pôr em risco a Segurança Alimentar do Planeta.
É urgente agir!
Concluindo, e citando novamente Christiana Figueres, na sua recente intervenção:
“Se a comunidade das Nações for totalmente incapaz de estabilizar as Alterações Climáticas, ou nada fizer nesse sentido, irá ameaçar os locais onde podemos viver, onde e como cultivar alimentos e onde podemos encontrar água.”
Por isso cabe a cada um de nós fazer um pouco, dar o nosso pequeno contributo para um todo que é o Planeta, seja poluindo menos, seja ao readaptar os nossos hábitos alimentares, seja ao racionalizar o consumo de água, seja promovendo a eficiência energética e as energias limpas, mas acima de tudo cabe-nos, enquanto cidadãos, pressionar os governos a fazer mais.
Só assim evitaremos a crise do século, que porá em causa as gerações vindouras!

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