segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Biomassa: um pau de dois bicos.

O Governo da República Portuguesa tem como objetivo aumentar a quota de produção energética a partir de fontes renováveis, tais como eólicas, solar, ondas e biomassa, pelo que levou a cabo a ENE 2020 – Estratégia Nacional para a produção de energia até 2020.
Os objetivos de produção de energia a partir de FER (fontes de energia renovável) são de 32,9% a partir dos recursos hídricos, 30,3% a partir das eólicas, 8,7% a partir da biomassa, 7,4% a partir da solar, 1,7% a partir da geotérmica e 1,3% a partir das ondas.
Não obstantes os objetivos em si, ultimamente tenho-me manifestado contra a produção de energia a partir da biomassa, pelo menos nos moldes atualmente definidos pelos vários regulamentos em vigor.
Tendo em conta o preço a que o KW, produzido a partir desta tecnologia, é remunerado a 0,28€ durante os primeiros 8 anos de vigência do contrato de produção, 0,17€ durante os restantes 7 anos, de um total de 15 anos de contrato.
O que mais me preocupa não é de todo o preço pago por KWH produzido, mas sim a promiscuidade e veleidade que pode constituir este tipo de produção de energia, uma vez que é necessário ter sempre consideráveis stocks de madeira florestal e afins disponível.
Vejamos, então, a produção de energia a partir da biomassa de uma forma simples.
A eletricidade, neste caso, é produzida a partir da queima de madeira e afins, cujo processo, por si só, tem um teor de emissões de CO2 relevante. Para efetuar a queima de madeira é necessário estar guarnecido da mesma, que é obtida através da desflorestação. Imagine-se um cenário de aumento do número de centrais de biomassa, o que gerará, no sentido de alimentar estas mesmas, será abate de árvores, que visto numa ótica de rentabilização do negócio, será um abate com alguma escala. Estaremos desta forma a destruir floresta, sim literalmente a destruir floresta, uma vez que a madeira queimada não mais é renovada nem reaproveitada, e a floresta ficará desguarnecida até que se cumpra um novo ciclo de crescimento de árvores, no caso de haver lugar a uma reflorestação.
Resultado, nós estamos a contribuir para um aumento de emissões de CO2, diretamente, através da queima de madeira para produção energética, como também estamos a contribuir para uma redução da capacidade da floresta em absorver o CO2, por via do abate descontrolado de árvores, tendo em vista fins de rentabilização de investimento.
Tendo em conta que a taxa de produção de energia a partir da biomassa, atualmente, é de 5% e que pretendemos passar para 8,7% até 2020, não compensa o esforço ao nível do investimento neste tipo de tecnologia nos moldes atuais de remuneração do KWH e fiscalização dos processos produtivos, uma vez que se está a criar um incentivo para que abata de forma desmesurada o erário florestal, assim como um aumento de emissões de CO2.
Para que este tipo de produção fosse totalmente fidedigno, sustentável, transparente e benéfico, ter-se-ia que legislar no sentido de estabelecer exigências contundentes ao nível das tecnologias de mitigação do CO2 e CO resultantes da queima da madeira, ter-se-iam que impor exigências no que toca ao tipo de madeira a queimar, não podendo ser madeira com vitalidade visível juntamente com madeira de refugo, tal como pinheiro afetado pelo nemátodo, ou seja, permitir somente a utilização de madeira desvitalizada, assim como reforçar o sistema de garantias no que toca à remuneração do KWH produzido.
Enquanto não se garantir que todos estes parâmetros sejam definidos e cumpridos, a biomassa continuará a ser, aos meus olhos, um caminho de sentido proibido.

4 comentários:

  1. Caro Sérgio:

    Parabéns pela forma como expões este tema.

    Não que concorde literalmente com tudo o que aqui expões, mas bem vistas as coisas e tendo em linha de conta a mentalidade Industrial e os objectivos financeiros dos grandes produtores energéticos, o caminho que antevês é de facto muito provável!

    Sem querer ser, ou transmitir um posicionamento, muito puritano; há outros caminhos que esta fonte energética poderia seguir e que muitas das vezes é apresentada de uma forma bastante lírica.

    Esse caminho passaria por uma estratégia em que as centrais energéticas de biomassa se deveriam "concentrar" no interior do país, quanto mais não fosse pela maior produção de matéria prima, em resultado das principais actividades económicas (agro-pecuária e florestal). Para que esta estratégia fosse rentável, haveria ainda que fomentar uma prática rotineira de limpeza das matas e florestas, que por sua vez, dariam um grande contributo no combate aos incêndios florestais, quer por esta via, quer pelo simples facto da menor realização de queimadas por pequenos produtores, dado que estes poderiam vender os seus "resíduos verdes"..

    Mas como disse, esta é a versão mais simpática e optimista desta forma de obtenção de energia, pois quem tem uma noção do que por este Portugal fora se passa nesta matéria, sabe que de facto, o caminho mais provável será o que apontaste.

    Para que a via que apontei fosse viável, muitas mentalidades teriam de mudar... desde os produtores energéticos aos produtores florestais e agro-pecuários...

    Um abraço!!!

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  2. Vitor Hugo é de facto relevante esse teu ponto de vista, assim como as soluções que propões, pese embora o facto das regulamentações aplicadas a este tipo de produção energética carecerem de revisão séria.
    Na minha opinião deve haver regulamentação especifica no sentido de estabelecer normas legais que promovam unica e simplesmente o uso de refugo florestal na produção de energia, assim como normas que promovam a sua eficiência, e acima de tudo rever todo o esquema de cálculo da remuneração do KWH, de forma a promover a racionalização ao nível da utilização de recursos.

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  3. Em primeiro lugar até acabo por discordar de tão grande subsidiação por kW/h de energia produzida. Mas compreendo que para haver investidores, é importante o incentivo inicial.
    Um dos problemas das florestas é que demoram anos e anos a crescer.
    Vejamos dois cenários: um, o que apontaste, para o "desaparecimento" forçado de floresta como combustível para o apetitoso proveito financeiro de uma produção subsidiada, que permite um rápido retorno financeiro do investimento numa central, antes mesmo de as árvores que eventualmente sejam obrigados a plantar em função das abatidas, possam crescer. Coloca-se ainda o problema da conveniência do crescimento rápido dessas árvores para que estejam disponíveis por perto, até aos restantes 7 anos... e lá caímos nós nos eucaliptos de novo...
    Ou seja, a legislação e fiscalização devem ou melhor, tem de ser bem apertada.
    Em segundo lugar, devo fomentar a produção de energia eléctrica por via da biomassa... parecendo incoerente, mais uma vez por via da legislação, poderemos combater um cenário meio catastrófico que apontaste. Reduzimos pela via da da produção nacional, as necessidades de importação de energia, fomentamos industrias de serviços e a agricultura (pela via florestal), criamos riqueza e por necessidades de exploração dessas centrais (que deveriam ser obrigadas por exemplo a contratos de 50 anos) que estas promovam os ciclos de reposição da floresta e usassem preferencialmente subprodutos florestais. Temos aqui a dificuldade do retorno económico... daí que eu não esteja assim com as soluções nas pontas dos dedos nesta participação, mas a via das renováveis pela biomassa não pode ser rejeitada. Aceitar ou continuar a aceitar a energia pelos hidrocarbonetos, é meter cabeça na areia como a avestruz, ignorando todo o processo da exploração desse recurso energético.
    Com boa cabeça e boa legislação, fiscalização e eficiência, a biomassa e outros recursos podem ser interessantes. haja vontade de os fazer bem.

    Jorge Amorim

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  4. Em primeiro lugar até acabo por discordar de tão grande subsidiação por kW/h de energia produzida. Mas compreendo que para haver investidores, é importante o incentivo inicial.
    Um dos problemas das florestas é que demoram anos e anos a crescer.
    Vejamos dois cenários: um, o que apontaste, para o "desaparecimento" forçado de floresta como combustível para o apetitoso proveito financeiro de uma produção subsidiada, que permite um rápido retorno financeiro do investimento numa central, antes mesmo de as árvores que eventualmente sejam obrigados a plantar em função das abatidas, possam crescer. Coloca-se ainda o problema da conveniência do crescimento rápido dessas árvores para que estejam disponíveis por perto, até aos restantes 7 anos... e lá caímos nós nos eucaliptos de novo...
    Ou seja, a legislação e fiscalização devem ou melhor, tem de ser bem apertada.
    Em segundo lugar, devo fomentar a produção de energia eléctrica por via da biomassa... parecendo incoerente, mais uma vez por via da legislação, poderemos combater um cenário meio catastrófico que apontaste. Reduzimos pela via da da produção nacional, as necessidades de importação de energia, fomentamos industrias de serviços e a agricultura (pela via florestal), criamos riqueza e por necessidades de exploração dessas centrais (que deveriam ser obrigadas por exemplo a contratos de 50 anos) que estas promovam os ciclos de reposição da floresta e usassem preferencialmente subprodutos florestais. Temos aqui a dificuldade do retorno económico... daí que eu não esteja assim com as soluções nas pontas dos dedos nesta participação, mas a via das renováveis pela biomassa não pode ser rejeitada. Aceitar ou continuar a aceitar a energia pelos hidrocarbonetos, é meter cabeça na areia como a avestruz, ignorando todo o processo da exploração desse recurso energético.
    Com boa cabeça e boa legislação, fiscalização e eficiência, a biomassa e outros recursos podem ser interessantes. haja vontade de os fazer bem.

    Jorge Amorim

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