sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Seca na Europa será pior do que uma potencial crise do petróleo

A seca dos meses de Abril e Maio afectou grande parte da agricultura por toda a Europa. A recuperação da seca pode ser, dizem os analistas, mais difícil do que seria de uma crise de petróleo. E são precisos mais do que uns aguaceiros para melhorar a situação. Se o aumento recente dos preços do petróleo poderá acrescentar um quarto de ponto percentual à inflacção na Zona Euro, avisam, a crise agrícola poderá aumentá-la em mais meio ponto percentual. 
A volatilidade dos preços dos alimentos foi um dos pontos em discussão na última reunião do G-20, em Paris, no mês passado. Os governos europeus debateram medidas colectivas para evitar o agravamento da situação económica da Europa, já de si ameaçada pela incerteza grega, conscientes de que os preços dos alimentos estão a cair em proporção com a confiança do consumidor. 
França - segundo maior exportador mundial de produtos agrícolas e a maior potência agrícola da Europa - foi talvez o país mais atingido pela seca. Os criadores de gado e os agricultores debatem-se com sérios problemas de tesouraria, uma vez que enfrentam custos exorbitantes para alimentar as manadas e quebra de rendimentos, a par do aumento do custo da energia. Sensível ao problema, o governo francês reagiu, subsidiando o transporte para o gado através do operador ferroviário estatal. Os bancos estão a ajudar, dando alguma margem de manobra no pagamento de créditos e as companhias de seguros estão a adiar os pagamentos dos clientes até que a situação melhore. O Governo acabou, ainda, de injectar 800 milhões de euros em fundos para a economia agrícola, adiantando o pagamento único por exploração deste ano. 
Todavia, a acção a curto prazo por parte de governos individuais não é a solução e o sector precisa de uma visão de longo prazo e de uma frente unida europeia, capaz de lidar com a ameaça da concorrência da América Latina e da China, onde os baixos custos laborais permitem inundar os mercados com culturas baratas. Desde o pós-II Guerra Mundial que a Europa mantém, ainda, um erro na agricultura: culturas colocadas em locais inadequados ao clima. O exemplo típico é o milho para a alimentação de gado, que é, frequentemente, cultivado em regiões de precipitação insuficiente. Muitas vezes, os agricultores precisam de arranjar uma fonte para 90% da água de rega. 
Com a seca, este problema agravou-se. Bruxelas tem mencionado a necessidade de criar uma comissão para analisar o problema, mas, face aos desafios do mundo em desenvolvimento, pode ser tarde de mais. Então, o que deve ser feito? Para começar, temos de deixar de cultivar culturas desnecessárias. Governos de toda a Europa incentivam os agricultores a produzir culturas de grande volume e de baixo valor que acabam por ir para o lixo. É o legado altamente ineficiente de uma política agrícola ultrapassada. 
A Política Agrícola Comum (PAC) caracterizou-se principalmente pelos subsídios à produção agrícola, pagos por hectare para culturas específicas, com vista à sustentação de preços. Em 2003, a Comissão Europeia lançou uma reforma da PAC baseada na dissociação dos pagamentos directos, um acordo político que se espera que aumente a flexibilidade da tomada de decisão dos agricultores, deixando estes de estar obrigados a produzir determinada cultura para receber um subsídio específico. É o primeiro passo na direcção de uma oferta orientada para o consumidor e sensível aos preços. Mas a implementação desta política é lenta e longe de consistente em toda a Europa. 
Devemos também reconhecer a nossa incapacidade de competir com países como a Argentina, o Brasil ou a China na produção de culturas de baixo valor. Importar destes países o que a Europa precisa é uma abordagem muito mais eficiente, que permitiria aos agricultores europeus mudar para uma produção de menor volume, mas de altos rendimentos. 
O ministério francês da Agricultura estimava, em Dezembro passado, que 15% dos agricultores já começaram a mudar para culturas de maior valor. Mas é preciso incentivar esta tendência a espalhar-se. Se concentrarmos os nossos esforços no crescimento das culturas orgânicas de alta qualidade e de elevado valor (actualmente, 2% da produção em França, contra 8% na Alemanha e 10% na Suécia), e no desenvolvimento de biocombustíveis renováveis, os fundos que, até agora, foram pagos como incentivo para atingir quotas de culturas, poderiam ser re-investidos na transição. 
Em Portugal, segundo dados do Ministério da Agricultura, compilados pela Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (AGROBIO), em 2009, havia 1.651 produtores biológicos, responsáveis por 157.179 hectares de cultivo estavam ocupados por culturas biológicas, sendo a maioria pastagens e plantas forrageiras. Portugal registava 662 criadores de gado biológico, num total de 215.573 animais, na sua maioria ovinos, e, essencialmente, nas regiões da Beira Interior, Alentejo e Trás-os-Montes. E isto já em perda. 
O grande "boom" da agricultura biológica nacional deu-se em 2007, quando terminou o prazo do Plano Nacional para o Desenvolvimento da Agricultura Biológica. Lançado em 2004, tinha como objectivo conseguir aumentar o número de produtores de 1.174 para 4.700 e a área cultivada de 120 mil hectares para 260 mil hectares. Falhou, embora aumentasse em muito a área destinada à agricultura biológica: em 2007, havia apenas 1.949 produtores para 233.475 hectares de área cultivada. A necessidade de fontes renováveis de energia só vai aumentar nos próximos anos, por isso faz sentido a Europa dar aos seus agricultores a oportunidade de competir neste mercado. Porém, tal como discutido na reunião do G-20, a orientação do mercado em larga escala para a produção de biocombustíveis leva à volatilidade inaceitável dos preços dos alimentos e abre o caminho à especulação financeira, quer dos preços, quer das terras. 
Como podemos proteger o mercado de alimentos da desenfreada actividade de especulação? Os ministros da Agricultura do G-20 concluíram que um sistema de vigilância novo, o Sistema de Informação de Mercado Agrícola, poderia acabar com predadores financeiros e garantir maior transparência de preços. Mas a Europa deve lembrar-se que mecanismos semelhantes existem noutros mercados e raramente conseguem impedir a especulação. Apenas dão mais informações aos especuladores e deixam os produtores sem voz.

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